quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Natal de quem?


Mulheres atarefadas 
Tratam do bacalhau, 
Do peru, das rabanadas. 
- Não esqueças o colorau, 
O azeite e o bolo-rei ! 
- Está bem, eu sei ! 
- E as garrafas de vinho ? 
- Já vão a caminho ! 
- Oh mãe, estou pr'a ver 
Que prendas vou ter. 
Que prendas terei ? 
- Não sei, não sei... 
Num qualquer lado, 
Esquecido, abandonado, 
O Deus-Menino 
Murmura baixinho: 
- Então e Eu, 
Toda a gente Me esqueceu ? 

Senta-se a família 
À volta da mesa. 
Não há sinal da cruz, 
Nem oração ou reza. 
Tilintam copos e talheres. 
Crianças, homens e mulheres 
Em eufórico ambiente. 
Lá fora tão frio, 
Cá dentro tão quente ! 
Algures esquecido, 
Ouve-se Jesus dorido : 
- Então e Eu, 
Toda a gente Me esqueceu ? 

Rasgam-se embrulhos, 
Admiram-se as prendas, 
Aumentam os barulhos 
Com mais oferendas. 
Amontoam-se sacos e papeis 
Sem regras nem leis. 
E Cristo Menino 
A fazer beicinho : 
- Então e Eu, 
Toda a gente Me esqueceu ? 

O sono está a chegar. 
Tantos restos na mesa e no chão ! 
Cada um vai transportar 
Bem-estar no coração. 
A noite vai terminar 
E o Menino, quase a chorar: 
- Então e Eu, 
Toda a gente Me esqueceu ? 

Foi a festa do Meu Natal 
E, do princípio ao fim, 
Quem se lembrou de Mim ? 
Não tive tecto nem afecto ! 
Em tudo, tudo, eu medito 
E pergunto no fechar da luz : 
- Foi este o Natal de Jesus ?

(João Coelho dos Santos - in Lágrima do Mar - 1996)

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